A água penetra em minha pele, molha a minha carne, habita no inatingível do meu interior, até então, pouco corroído. Me encharca sem pedir permissão. Fecho os olhos e deixo que me lave, que escorregue sobre meu corpo, que brinque com meus cabelos e vagarosamente me beije. Chove também dentro de mim, talvez uma tempestade, levando de um lado para o outro tudo o que permanecia parado. Movimenta a certeza que mesmo que o líquido cristalino caísse lentamente, mesmo que não houvesse movimentos bruscos, ainda assim ficariam as poças e as marcas por onde essas gotas circulassem e - por consequência - atingissem o solo. Não me atrevo a correr. Posso suportar o frio e até mesmo a sensação de duros pingos invadindo minha face, minha alma. Sinto o barulho desses pingos caindo no chão de concreto, nos telhados, na grama, em mim. A água acaricia meus ombros e deixa rastros de gelo em forma de pingos definidos e perfeitos, feito lágrimas doces. Me invade e eu não corro. Me bagunça e eu não ligo. Me deixa isolada e ainda assim me pertenço. Permaneço parada em baixo do céu, não preciso fazer nada além de sorrir singelamente acompanhada da brisa de um profundo inverno que não mora comigo, mas que agora, vezenquando me visita.